quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Dez anos depois...

Depois de um olhar honesto para os últimos dez anos da minha vida notei algumas mudanças em minha maneira de viver e pensar a fé cristã. Percebi que nessa última década, em algum momento saí da trilha e passei a abrir picada, que poucos dos meus companheiros se aventuraram comigo – a maioria preferiu a segurança e o conforto que desfrutam aqueles que optam pelos caminhos já trilhados às crises e perigos a que estão sujeitos os desbravadores. Não sou capaz de apontar o momento exato em que se deu essa mudança, mas posso dizer que percebo no hoje uma descontinuidade com o ontem e que de repente, “não mais que de repente”, me dei conta de que em mim há um outro movimento e uma outra lógica que de alguma maneira transgride aquilo que foi...

Hoje, já não me encanto mais com a pretensão daqueles que procuram perscrutar Deus tentando adentrar à sua essência e compreender o seu ser, não me sinto mais atraído pelos compêndios de teologia que reduzem Deus a atributos comunicáveis e incomunicáveis e, não tenho mais a pretensão de ter a última palavra nas conversas sobre teologia. Percebo que o conhecimento outrora enrijecido, deu lugar à compreensão flexível e aberta, de quem se deu conta de que não é possível exaurir o mistério divino, e por isso se abre para uma descoberta diária através do diálogo, do auto-desarmamento e da consciência de não ser dono da verdade.

Hoje não faço mais da defesa da fé (se é que a fé precise de defesa) uma questão de honra pessoal. Não quero construir trincheiras para declarar guerra contra aqueles que pensam diferente, nem me esconder por detrás das muralhas da única verdade. Há algum tempo conversei com um estudante de teologia que me confidenciou seu prazer em debater com pessoas de outras religiões e levá-las a nocaute com textos bíblicos decorados; pensei comigo: “que despropósito!” Eu também fui assim, mas hoje entendo que a melhor defesa da fé é a fé encarnada, é a vida que tem Deus como preocupação última, e que aqueles que assumem uma postura inquisitorial contra “ímpios, pagãos e hereges”, na verdade não entenderam a proposta do Evangelho de Jesus Cristo.

Hoje posso dizer que amo mais a vida e confesso que às vezes me sinto triste só de imaginar que um dia ela chegará ao fim. Sinto-me à vontade para dizer que amo esse mundo, pois me desembaracei daquela teologia tacanha e da interpretação bíblica simplista que no passado me ensinou que o compromisso com Cristo implicava em um descompromisso e até menosprezo para com o mundo e por essa vida. Tenho sede de viver e quero sorver cada dia como uma dádiva de Deus.

É verdade que na medida em que os anos passam algumas pessoas tendem a se tornarem rígidas e intransigentes em sua forma de viver e pensar a fé, contudo, o enrijecimento e a intransigência tem a ver com a atitude defensiva de quem não consegue lidar com a espontaneidade que é característica da vida cristã. De minha parte, depois de dez anos descobri que não faço parte do grupo daqueles que vêem a fé cristã como correntes que aprisionam, mas compartilho como com todos aqueles que descobriram nela uma proposta que liberta para vida, “que é bonita, é bonita e é bonita”.

Luciano L. Borges

Poema


Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural

Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...

O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...

Fernando Pessoa
O guardador de rebanhos

Inquisição ontem e hoje

“O fato histórico, entretanto, é que as práticas inquisitoriais continuaram em operação no Protestantismo. Práticas inquisitoriais são o conjunto de procedimentos institucionais cuja função é identificar e eliminar o pensamento divergente. Quanto a Lutero, é sabida a sua atitude para com os movimentos anabatistas, e o seu conselho que deveriam ser mortos com o mesmo espírito com que se mata um cão raivoso. E quanto a Calvino, as fogueiras continuaram a ser acesas em Genebra, não apenas para queima de Miguel Serveto, como também para queima de dezenas de bruxas. Podemos nos desfazer desta evidência histórica perturbadora, explicando o comportamento dos reformadores como decorrência da atmosfera católico-medieval que ainda respiravam. Assim fazendo, conseguimos salvar a ideologia protestante da liberdade e do livre exame, atribuindo as origens da inquisição protestante a um resíduo de espírito católico. Mas neste caso seria necessário demonstrar que o espírito e as práticas inquisitoriais desapareceram gradualmente do Protestantismo. E parece que isso não é possível. O que se observa é o seu reaparecimento no seio do Protestantismo sempre que o pensamento divergente ameaça a sua unidade política e ideológica. Na verdade, seria possível interpretar a tendência protestante para as divisões denominacionais e sectárias como uma expressão de práticas inquisitoriais. É evidente que fogueiras não podem mais ser acesas. Entretanto, o fato de os grupos com pensamento divergente serem forçados a deixar uma certa igreja é uma evidência da presença de mecanismos de controle de pensamento extremamente eficazes na igreja de que foram forçados a sair.”

Rubem Alves
Livro: Dogmatismo e tolerância

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A morte do protestantismo na Europa

Certamente você já ouviu que o liberalismo teológico foi a causa da morte da igreja protestante na Europa. Se você é daqueles que não engole qualquer coisa, recomendo a leitura do texto escrito por meu amigo Leandro.

http://reflexoespararefletir.zip.net/arch2011-10-09_2011-10-15.html#2011_10-10_17_06_44-115959189-0

Obs. O texto está também transcrito neste blog é só clicar em "vale a pena ler"

terça-feira, 16 de agosto de 2011

terça-feira, 26 de julho de 2011

quinta-feira, 30 de junho de 2011

quarta-feira, 22 de junho de 2011

O olhar de Deus

“O olhar de Deus para o mundo e suas criaturas não pode ser mais compreendido como uma atitude vigilante e policialesca que quer controlar, julgar e condenar os erros dos seus, mas como um olhar de ternura e carinho, compaixão e apoio nas quedas e nos pecados, ajudando-nos a nos reerguer.”



Paulo Roberto Gomes

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Mediocridade evangélica

Nos últimos anos a igreja evangélica brasileira vem experimentando um extraordinário crescimento. Ela se espalhou por todos os cantos do país e atingiu todas as camadas sociais, chegando a acender em alguns sonhadores a esperança de em breve ver um Brasil evangélico. Mas na mesma proporção em que cresceu, também emburreceu: o estudo sério da Bíblia deu lugar a mensagens de auto-ajuda, o culto de adoração se transformou num encontro para barganhar com Deus, a vida cristã se reduziu a uma infinidade de “não pode”, e a espiritualidade se desfigurou num misticismo sincretista. Ao mesmo tempo em que celebramos a expansão numérica, lamentamos certa contração mental coletiva.

Não era para ser assim
A Reforma Protestante foi um importante movimento na primeira metade do século XVI, desencadeada a partir das 95 teses de Martinho Lutero fixadas nas portas da Catedral de Wittemberg. Foi a causa do rompimento com a Igreja Católica Romana e, como desdobramento subseqüente, do nascimento da igreja protestante e suas muitas ramificações, podendo ser considerada o marco inicial do que hoje chamamos de movimento evangélico.
A Reforma Protestante se apoiava em cinco pilares: sola Gratia, sola Scriptura, solos Christi, sola Fide e o Sacerdócio Universal de Todos os Crentes, que não só pontuaram as principais divergências com a Igreja Católica Romana, como também sustentaram uma “nova” visão que romperia com o aquilo estava posto até então, possibilitando a emergência de uma nova forma de pensar e viver a fé cristã.
Embora todos os pontos de discórdia levantados pelos reformadores objetivassem o rompimento com um sistema político-religioso que perdurava por mais de dez séculos, é no Sacerdócio Universal de Todos os Crentes que temos aquilo que podemos chamar de um projeto anti-imbecilizador. Com o Sacerdócio Universal de Todos os Crentes, de um lado se desferiu uma crítica ácida ao sistema hierárquico da Igreja Católica Romana, no qual o leigo não tinha acesso direto a Deus, precisando recorrer a um mediador, um sacerdote; e de outro, o conscientizou do lugar que ocupava, não como leigo, mas também como sacerdote, com todos as responsabilidades, dispensando todo e qualquer tipo de mediação humana em sua relação com Deus.
Com essa visão o homem se libertou de muitos dos pesos que afogavam a cristandade num mar de superstição e colocou diante de cada um, dentre outras coisas, a intransferível responsabilidade de interpretar, compreender e aplicar a Bíblia a sua própria vida.

Qual o nosso problema?
Se a Reforma Protestante representou o passo para fora da imbecilidade dominante na Idade Média, hoje presenciamos o retorno, uma espécie de renascimento da imbecilização, uma reforma às avessas. Eis alguns pontos que atestam isso:

Engessamento dogmático:
O engessamento dogmático é o acorrentamento do pensamento a uma construção doutrinária que carrega consigo a pretensão ser a única fiel expressão do pensamento bíblico, o produto final e imexível da reflexão teológica (embora na teoria não afirmem isso, na pratica é inegável essa posição). Como conseqüência, e também para manutenção do próprio dogma, essa posição doutrinária passa a ser o critério pelo qual todo o trabalho interpretativo do texto bíblico deverá ser realizado, se arvorando como um juiz que avalia a fidelidade das outras interpretações.
O problema central do engessamento doutrinário, é que ele nubla nas construções doutrinárias seu aspecto provisório, (característico de toda construção teórica, por estar condicionada a uma cultura, a um tempo e a um espaço específicos) e lhe atribui a qualidade de imutável, inibindo com isso toda possibilidade de continuidade da reflexão. Ele transforma o teólogo num mero repetidor.
Com isso não queremos dizer que devamos desprezar as construções doutrinárias que compõe a rica herança do cristianismo. Elas têm seu lugar, devem permanecer como ponto de partida e balizadoras que norteiam um pensamento que continua a fluir, mas nunca devem ser absolutizadas.

Perigo de pensar:
Se a construção teológica carrega as marcas da cultura, do tempo e do espaço, onde nasce, então pode ser considerada sempre um trabalho incompleto. A vida está num fluxo contínuo e suas demandas sempre exigirão respostas. Isso aponta para a necessidade de se continuar a pensar a teologia, de construir respostas viáveis para as novas questões que a vida coloca diante de nós.
Mas é comum se ouvir advertências quanto ao perigo do pensamento para a fé: “o pensar de mais pode ser perigoso”; como se a fé não comportasse também o racional (“Crer é também pensar” – John Sttot). Tal temor é compreensível; o pensar a fé assusta pelo fato que pensar abre novos horizontes, novas possibilidades, desfaz fantasias e ilusões. Quando nos dispomos a pensar com honestidade sobre aquilo que cremos saímos da caverna e passamos a perceber que o mundo é muito mais que o buraco onde até então vivíamos. Como canta Caetano Veloso: “o pensamento parece uma coisa a toa. Mas como é que a gente voa quando começa a pensar”.

Leitura ingênua da realidade:
Para tudo se propõe uma resposta espiritual, tudo o que acontece aqui, tem sua causa para além desse mundo. A partir dessa ótica, temos explicações para a desigualdade social, para a criminalidade, para o desmatamento da Amazônia, para o aquecimento global, etc., etc., etc. Contudo não nos damos conta que essas explicações “espirituais” além de não explicar, não poucas vezes funcionam como justificativas para se eximir da responsabilidade para com o mundo. Ela afasta do compromisso de engajamento para uma participação meramente “espiritual”, com demarcações territoriais, declarações de posse, unção de pontos estratégicos, orações de guerra. Pois se acredita que a maneira mais eficaz de intervenção no mundo é pela via “espiritual”, daí práticas que beiram a insanidade, tais como demarcação territorial com urina.
Esse tipo de leitura da realidade, além de revelar uma visão ingênua do mundo (ignorância das estruturas sociais, econômicas e ideológicas que tendem a perpetuar a desigualdade), revela também uma religiosidade alienada, supersticiosa e simplista.

Os reformadores compreenderam a importância de libertar o povo da sua condição, pois mantê-los na mediocridade tornaria impossível a Reforma da igreja, hoje muitos líderes entenderam a importância de mantê-los na mediocridade, pois a mediocridade alheia é um solo fértil e fácil para abusos. Embora esse fato, seja indícios de que algo não vai bem, deve ser encarado como uma chamada à igreja evangélica brasileira a repensar (a si mesma e seu papel no mundo). Uma tarefa árdua e desafiadora, contudo necessária e urgente que precisa ser feita com coragem e honestidade por todos nós.




Luciano L. Borges

quinta-feira, 9 de junho de 2011

A igreja dos meus sonhos




Todo pastor alimenta sonhos em relação a comunidade onde serve. Ele não é um mero administrador que se limita a colocar em funcionamento a engrenagem eclesiástica para que a igreja sobreviva, mas é tão ligado a comunidade e tão parte dela que em seu coração alimenta sonhos e traça projetos que procurem promover seu crescimento em todos os aspectos. Sou pastor e também tenho sonhos em relação a nossa comunidade, e aqui passo a compartilhar alguns deles:
Sonho com uma igreja que acolha com amor todos aqueles que a ela se achegam, sejam eles diferentes ou iguais a nós, independendo de seu ponto de vista, de sua posição social, da cor de sua pele, etc. Que sempre leve em conta antes de tudo a dignidade da pessoa humana, criada a imagem e semelhança de Deus e profundamente amada por ele.
Sonho com uma igreja que não se perca na mediocridade das discussões em torno do “pode / não pode”, mas que perceba que o compromisso cristão é uma realidade tão sublime e profunda que só faz sentido na liberdade, onde aquele que ama a Deus procura agradá-lo em seu viver diário por ser amado e não por ser coibido.
Sonho com uma igreja que tenha consciência de que a vida cristã não é uma espera passiva aguardando o além, mas um compromisso assumido aqui e agora que influencia todas as esferas da vida.
Sonho com uma igreja que olhe ao seu redor e, com honestidade, pergunte a si mesma: “O que o mundo espera de mim? Qual o meu papel nesse mundo?” E em obediência ao Mestre procure em seu dia-a-dia ser sal e luz do mundo.
A igreja dos meus sonhos não é uma igreja perfeita, mas uma igreja que, consciente de sua próprias falhas e limitações, aprendeu a ser misericordiosa e bondosa com as falhas e limitações dos outros. Que se sabe amada e acolhida por Deus e por isso continuamente se esforça para responder a esse amor procurando em todas as coisas promover a glória dele.


Luciano L. Borges

quarta-feira, 11 de maio de 2011

O liberal que eles odeiam




Quando leio textos de alguns teólogos moderados brasileiros, imediatamente identifico a existência de um inimigo contra o qual freqüentemente desferem acusações, praguejamentos e injurias. Esse inimigo tão odiado e implacavelmente atacado é chamado por eles de liberal.
O liberal já foi convidado a se retirar da igreja, comparado a lepra e até preterido numa mesa onde figurava um vinho do porto. Como se não bastasse todo o esculacho, sobre ele pesa ainda as duras acusações de ser a pedra de tropeço no percurso da igreja, a causa do malogro que atravanca seu crescimento e até de sua morte. Além disso, é chacoteado por pastorear igrejas ínfimas e para justificar sua condição cultiva a busca pela espiritualidade como forma de compensação e insiste na mania de articular vida cristã e questões sociais. Enfim, todos conhecemos as críticas contra os liberais, que de tão repetitivas se tornaram enfadonhas (a cada novo texto podemos dizer como o poeta: “Nada de novo há no rugir das tempestades”), mas uma questão tem me inquietado, e essa me parece ser uma questão crucial: Quem é esse liberal? Qual o seu nome? Onde fica sua minúscula igreja? Em qual seminário se formou e ensina?
Depois de refletir sobre esse buraco no discurso desses teólogos moderados, cheguei a seguinte conclusão: Objetivamente não existe liberal, assim como também não existem as minúsculas igrejas dos liberais, nem seminário liberal. Entretanto, embora objetivamente o pobre infeliz do liberal não exista, subjetivamente existe, ele existe como uma idéia que tem um importante papel político e teológico na igreja.

O liberal é uma idéia agregadora
Toda militância se dá em torno de uma causa, em torno de um ou vários pontos que promova a união dos pensamentos e faça confluir todos esforços na mesma direção. A eleição de um inimigo é uma maneira extremamente eficaz para agregar pessoas, o inimigo eleito passa a ser o ponto para onde convergem as atenções, promovendo a coesão do grupo e conseqüentemente levando-o a lutar contra o inimigo que o ameaça. Nesse sentido, a existência desse inimigo é necessária à sobrevivência do grupo, pois este só existe para aquele, se morrer o liberal os teólogos moderados e todos os que compactuam de suas idéias perdem o sentido de existir. Por isso, os insistentes ataques aos liberais não têm o objetivo de exterminá-los, mas de mantê-los vivos, pois a ausência de referência a eles é sua morte e conseqüentemente a morte de uma eficiente idéia agregadora.

O liberal é uma idéia coerciva
Uma das coisas impressionantes nos teólogos moderados é a capacidade de coagir. Embora não disponham hoje dos instrumentos de tortura física, utilizados nos regimes ditatoriais, quando atacam, caricaturam e desfiguram o inimigo e sua teologia, estão indiretamente coibindo a um crer “corretamente”, viver “corretamente”, pensar “corretamente”, etc. (diga-se de passagem que correto é somente o deles). Além disso, o liberal é pintado como um monstro tão assustador e perigoso que seus textos devem ser evitados, e se porventura alguém tiver interesse em conhecer um pouco do seu pensamento, deve lê-los a partir de textos dos moderados, pois o contato direto com aqueles teólogos pode ser contagioso, sendo mais prudente àqueles que prezam pela boa saúde espiritual e pela salvação da alma que fiquem distantes. Com isso a coerção se dá de duas maneiras: pelo medo do desvio da reta doutrina e pelo perigo de contaminação. O que nos leva mais uma vez a concluir a importância do liberal não só para existência dos moderados, mas também como elemento chave para lealdade de seus seguidores.

O liberal é uma idéia promotora
No momento em que se nomeia um inimigo é preciso também que se criem os heróis. Estes representam tudo que é bom: o equilíbrio, a sabedoria, o discernimento, sendo os poucos capazes de travar uma luta em pé de igualdade contra aqueles. Os heróis são os moderados que corajosamente confrontam os inimigos liberais, e ainda fazem um patrulhamento teológico nas instituições religiosas monitorando os acontecimentos, as palavras, os eventos e até as picuinhas. Os moderados são verdadeiros guardiões que de maneira altruísta e abnegada dedicam suas vidas e esse serviço, velando pela boa saúde da igreja. Mas esses “mocinhos” são devedores aos “bandidos”, pois quanto mais perigoso e ameaçador este for pintado, maior é a glória e os louros daqueles que os enfrentam. Daí a importância de ocuparem os cargos importantes, serem palavra final em assuntos teológicos, filosóficos, políticos, éticos, etc. e serem reverenciados por uma multidão. Contudo, um olhar mais cuidadoso nos revela que o pedestal que sustenta esses heróis é o liberal.


Enfim, a história é testemunha de que, o poder e a verdade nem sempre caminham juntos. Se existe um liberal hoje no Brasil é aquele que os moderados criaram e se esforçam para manter vivo por uma questão auto-existência, legitimando assim o ostensivo e amplo monitoramento teológico, para não permitir que nenhum pensamento divergente se prolifere semeando a dúvida e nublando a verdade por eles defendida, pois o pensamento divergente pode ser prejudicial sobretudo à posição que ocupam no poder. Assim, para manter seu status se valem desse criativo expediente: o liberal.



Luciano Borges

terça-feira, 10 de maio de 2011

Sobre um livro








Por que você não quer mais ir à igreja?

Esse é o tipo de livro que não é preciso avançar muito na leitura para logo perceber a “intenção” dos autores que, em linhas gerais, pretendem oferecer uma alternativa ao tradicional modelo de igreja caracterizado como agrupamento de pessoas que vivem sua fé sob uma organização eclesiástica.
A partir de uma ficção os autores denunciam as máculas existentes na estrutura da igreja e suas conseqüências sobre a vida daqueles que dela participam, sugerindo finalmente a possibilidade de se viver o cristianismo fora das instituições eclesiásticas. Embora caminhe na mesma linha do livro “A Cabana”, este não pode ser considerado tão impactante quanto aquele, talvez pelo assunto não ser tão instigante e a trama não ser tão cativante. Sua história gira em torno de um homem chamado Jake Colsen que, tendo sofrido uma decepção com a liderança da igreja onde participava se vê numa crise em relação à instituição. Nesse tempo Jake conhece João, um cristão um tanto misterioso (de quem Jake desconfiava se tratar do apóstolo João) que vai ajudá-lo a administrar sua frustração e mentoreá-lo em seu relacionamento com Deus a partir de novas estruturas não mais ligadas a uma instituição.
O livro deixa muitas lacunas (daí o motivo do questionário no final para direcionar o leitor) de maneira que a posposta dos autores, embora evidente, se torna vaga e não encontra ressonância a não ser em alguns descontentes com a atual estrutura administrativa da igreja. A impressão é de que os autores, a partir de alguma experiência frustrante com a instituição escreveram esse livro tendo como objetivo apontar para a possibilidade de vida cristã sem igreja, de fé sem instituição.

Penso que essa proposta aparentemente inovadora carrega consigo o germe de uma nova instituição também com potencial para deteriorização. Acredito que seja possível a vida cristã fora da instituição, mas fazer disso uma bandeira de militância me parece um tipo de causa sem sentido.



Luciano Borges

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Sobre templos religiosos

Nossos templos religiosos são imponentes monumentos à vaidade humana e uma agressiva denúncia de nossa monumental incompreensão da simplicidade do evangelho de Jesus Cristo.

Luciano L. Borges

quinta-feira, 24 de março de 2011

Sobre o fundamentalismo

O problema do fundamentalismo no seio da igreja (seja ela qual for) não está em terem posições teológicas, éticas, morais,... engessadas, mas em imporem sua posição como única razoável e, se preciso for, mutilar o diferente para fazer prevalecer sua verdade.

Luciano Borges

sexta-feira, 4 de março de 2011

Coisas que me impressionam


"Felicidade não existe
O que existe na vida
São momentos felizes."




Quem não deseja ser feliz? Acredito que podemos afirmar, sem medo de errar, que essa é a principal busca do ser humano. Talvez até seja uma busca subjacente a outras, mas que no fundo, faz de todas estas um pretexto para sua realização. Nesse sentido, quem sabe possamos afirmar que a incansável busca da felicidade seja um desejo às vezes manifesto, às vezes oculto que move o ser humano em suas escolhas, projetos e sonhos, aliás, o filosofo Blaise Pascal dizia: “Todos os homens procuram ser felizes; isso não tem exceção...É esse o motivo de todas as ações de todos os homens, inclusive dos que vão se enforcar...”. Pois bem, com a finalidade de saciar essa sede de felicidade o ser humano vai lançar mão dos recursos que tem a sua disposição para, quem sabe, saborear ao menos uma gota dessa coisa tão desejada.

Impressiona-me o aparato tecnológico que hoje temos à nossa disposição para nos fazer felizes. São celulares com maquinas fotográficas de alta resolução, gravador de voz e vídeo, radio FM e TV, temos computadores potentíssimos, TVs de alta definição, IPod, IPed, etc., etc., etc. tudo à nossa disposição para nos informar, entreter e facilitar a vida. Toda esse parafernália tecnológica se tornou tão importante para nós de maneira que não conseguimos imaginar nossa vida sem algumas delas, por exemplo: quem não fica apreensivo com a possibilidade de ter seu computador infectado por um vírus que possa danificá-lo? Quem, saindo de casa percebendo que esqueceu celular não volta para buscá-lo? Há quase que uma relação de dependência orgânica entre nós e nossa tecnologia.

Impressiona-me o ânimo com que adquirimos coisas julgando que nos farão felizes. Há pessoas que para compensar uma experiência negativa (tristeza, frustração, decepção) precisam consumir. O consumo funciona como uma espécie de compensação pelo momento difícil que atravessam. Contudo, mesmo quando não estamos “para baixo” é comum irmos aos shoppings, e se dali não sairmos com pelo menos uma “sacolinha” nos sentimos mal. Quando consumimos preenchemos nosso um vazio existencial e experimentamos um bem-estar momentâneo que nos proporciona uma vida um pouco mais aprazível.

Impressiona-me a múltipla possibilidade relacionamento que hoje dispomos para nos fazer mais felizes. E-mail, orkut, my space, twiter. Podemos conhecer pessoas diferentes, de perto ou de longe, podemos nos agrupar por gostos e afinidades, mas interessantemente, mesmo com essa ampla possibilidade nos envolvemos sem nos envolver, expomos nossa vida ao extremo, mas permanecemos isolados uns dos outros e conseguimos nos manter a uma distância suficiente para manutenção de um profundo relacionamento impessoal.

Impressiona-me o número de igrejas que acolhem os sedentos de felicidade. Igrejas que oferecem soluções mágicas e instantâneas através de auto-ajuda, auto-afirmação, versículos bíblicos, orações, e até “desencapetamento” por módicos valores. Pessoas afluem para essas igrejas como no deserto o sedento corre para a miragem de um lago, por acreditarem que ali encontrarão o mapa da mina do tesouro da felicidade, ou pelo menos lhe ensinarão os segredos e macetes para uma vida feliz.

Impressiona-me, mais ainda ao concluir que a busca da felicidade é uma busca ao mesmo tempo cômica e trágica, pois, percebo que, apesar de todos os recursos e aparatos criados pelo homem para viabilizar a felicidade, a humanidade permanece infeliz. Para grande parte das pessoas a felicidade se tornou mais um sonho de consumo inacessível, cuja aquisição não possui nenhuma relação com suas escolhas e decisões do dia-a-dia. Notadamente, a vida feliz foi separada da vida correta e bem ordenada, uma nada tem haver com a outra. Questionado se, pessoalmente, se considerava uma pessoa feliz o filósofo André Comte-Sponville respondeu: “regozijo-me de viver e lutar: Se isso não é uma felicidade, o que é a felicidade?” Talvez essa seja uma boa dica para repensarmos nossa busca da felicidade.

Luciano Borges

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Solitude


Quero ficar só...
Preciso ouvir o silêncio
Que me sussurra segredos
Pra descobrir o que me dói
Porque em minh´alma há um peso,
No meu peito um aperto,
E na garganta um nó.

Luciano Borges

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O Jesus que eu nunca conheci


Uma das barreiras que pode ser empecilho para expandir nosso conhecimento pode ser o conhecimento adquirido (sobretudo no campo religioso). Esse conhecimento adquirido e sedimentado funciona como uma espécie de trincheira onde nos escondemos e nos protegemos do novo que não poucas vezes ameaça nos desestabilizar. Sair da trincheira para enfrentar o novo de peito aberto é um ato de coragem heróica que poucos estão dispostos.
Faço parte de uma geração que conheceu um Jesus midiático, pintado com fortes traços heróicos e triunfalistas, um Jesus que pouco tem de humano. Mas há alguns meses resolvi sair da trincheira e me expor de peito aberto ao texto bíblico do evangelho de Marcos, tentei permitir que minha visão de Jesus Cristo fosse remodelada a partir de uma nova leitura, uma leitura desarmada e despretensiosa do evangelho em busca de Jesus, o homem de Nazaré. Confesso que minha experiência foi marcante, pois vi abrir-se diante de mim possibilidades que até não havia notado. Descobri no evangelho...

Um Jesus demasiadamante humano.
Tenho a impressão que a humanidade de Jesus, embora um dos pontos fundamentais afirmados nos dogmas do cristianismo, ficou submersa em sua divindade. Pouco se fala de sua humanidade e de aspectos que dizem respeito a ela, tais como: sua fragilidade, suas angústias, seu drama. Por outro lado, a sua divindade, como uma espécie de “algo a mais”, tornou-se o grande trunfo nas mãos daqueles que acreditam que ela torna o cristianismo superior a outras crenças e religiões. Contudo, é claramente perceptível no evangelho que a humanidade de Jesus não foi apagada por sua divindade, nem se tratava de uma humanidade melhorada, mas sua humanidade foi um mergulhar no mais profundo do drama humano e vivenciar esse drama em toda sua intensidade, Jesus realmente chorou a morte de Lázaro, sentiu a dor da rejeição de Jerusalém, se angustiou diante da iminência de seu sofrimento. Em sua humanidade Jesus vivenciou a mais profunda negatividade, o teólogo católico Andrés Torres Queiruga fala de Jesus como o “ proletário absoluto”.
Mas é a partir dessa humanidade que emerge uma possibilidade, como homem Jesus introduziu no mundo uma incômoda contradição. Sem ele teríamos apenas um modelo de humanidade, o que se encontra ao nosso redor e em nós, marcada pelo egoísmo, pela ganância, pelo orgulho, mas quando Jesus assumiu a humanidade com todas as suas implicações e tensões ele introduziu na história humana um modo diferente de ser humano.

Um Jesus crítico da religião.
Não há dúvidas que Jesus nasceu e viveu dentro de um sistema religioso, o judaísmo, um sistema no qual as regras já estavam estabelecidas e no qual não cabiam questionamentos. Embora Jesus tenha nascido dentro dessa realidade e a assumido como prática pessoal (Jesus freqüentava a Sinagoga e o templo, orientava outros a cumprirem as práticas culticas) não se mostrou indiferente em relação aos aspectos opressores, desumanos e exploradores que a permeavam.
Ele não se calou diante dos abusos para com as interpretações da Lei, quando as tradições dos homens sufocavam seu real sentido, não se submeteu às amarras que a guarda do sábado impunha tornando o homem um escravo, não se mostrou indiferente ao sistema exploratório do templo que chegava a ponto de tirar até as únicas moedas de uma pobre viúva, não poupou críticas aos religiosos.
Em sua relação com a religião Jesus não foi um mero receptor submisso que acolhia tudo passivamente, mas se relacionou de maneira crítica, de forma que, ao mesmo tempo em que vivenciava essa piedade também denunciava seus aspectos pervertidos.

Um Jesus acolhedor dos indignos.
Se olharmos para as pessoas que formavam o grupo dos discípulos de Jesus, para a multidão que o cercava ou até mesmo para os pecadores e publicanos com os quais compartilhava da mesa, fica claro que Jesus fez uma opção por aqueles que eram excluído e considerados indignos. Entre seus discípulos havia um cobrador de impostos e um zelote, a multidão (ochlos no grego) estava sempre ao seu redor, acolheu crianças, e, interessante, entre os mais chegados de Jesus não havia nenhum fariseu, saduceu ou sacerdote.
É no mínimo intrigante a opção de Jesus de caminhar ao lado de tais pessoas, uma vez que se esperava que o Messias, para bem de sua credibilidade, fosse alguém mais seletivo na escolha daqueles que estariam ao seu lado (diga-me com quem andas e direi quem és), contudo, com essa opção Jesus revela que o Reio de Deus não é exclusivo, mas inclusivo, Jesus mostra também que a Graça de Deus (favor imerecido) não levar em conta os créditos e perdoa os débitos.
A atitude de Jesus em relação aos indignos não foi uma provocação para causar escândalos às pessoas de seu tempo, mas uma antecipação, um desvelamento do que é o Reino de Deus.

Um Jesus como modelo de vida.
Por fim,(sem exaurir o assunto) descobri que a vida de Jesus no evangelho, tem como objetivo servir como paradigma para nossa vida. Por esse motivo seu modo de viver não deveria passar despercebido aos nossos olhos. Sua postura diante dos que sofrem, sua obediência amorosa a Deus, sua abnegação, sua compaixão, sua disposição para servir e até seu sofrimento. Jesus não nos deu um mapa para o céu, mas diretrizes para vivermos nesse mundo com valores e princípios mais elevados. Aliás, ser discípulo significa aprender com as atitudes do mestre e tomá-las como modelo e como critério de auto-exame. Assim percebi que Jesus não veio a esse mundo para fazer de nós pessoas felizes, mas para nos mostrar como podemos ser pessoas melhores: mais justas, mais honestas, mais bondosas, ele é o nosso paradigma.

Por maior que seja o tempo de convivência com uma pessoa não é possível afirmar que a conhece completamente, nosso conhecimento do outro é sempre superficial. Assim também podemos falar de nossa experiência com Jesus, por mais que o conheçamos há sempre algo novo a ser conhecido e abrir-se a renovação do nosso conhecimento não significa opção por caminhar no chão escorregadio do relativismo, mas consciência das nossas limitações e conseqüentemente, das possibilidades de crescer. Olhar para Jesus e percebê-lo a partir de uma outra perspectiva não significou negar tudo que aprendi, mas enriquecer e ampliar meu horizonte e perceber a amplitude do desafio de andar com Jesus.


Luciano Borges

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Poema

Señor, Señor. Tú antes, Tú después, Tú en la inmensa
Hondura del vacío y en la hondura interior:
Tú en la aurora que canta y en la noche que piensa;
Tú en la flor de los cardos y en los cardos sin flor.
Tú en el cenit a un tiempo y en el nadir;
Tú en todas las transfiguraciones y en todo padecer;
Tú en la capilla fúnebre, Tú en la noche de bodas:
¡Tú en el beso primero, Tú en el beso postrer!

Amado Nervo