quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Uma palavra aos bachareis em teologia

Os dias que antecedem a formatura de um seminarista são marcados por profundas e expansivas expectativas. A cerimônia de formatura não é apenas o ato último que põe fim a uma jornada de quatro anos, é também um “rito de passagem” que separa o velho e inaugura o novo, a atividade preparatória da atividade pastoral, para a qual é comum que o candidato se sinta despreparado e às vezes até inadequado. Mas, assim como os pássaros que num momento da sua existência precisam abandonar os ninhos e seguir por conta própria, o seminarista, após quatro anos de preparação, empreende sua própria jornada, incerta, exigente e necessária. Como pastores, sabemos perfeitamente o significado dessa experiência e o quanto ela é angustiante para aqueles que a vivenciam, por isso gostaríamos aqui de fazer aos queridos bacharéis em teologia algumas sugestões que consideramos importantes:

Não pensem de si além do que convém. Pelo fato de sermos educados num ambiente teológico pouco arejado, somos tentados a pensar que nossa teologia é um produto final e bem acabado que não mais necessita de reparos. Contudo, sejam honestos (e corajosos) para reconhecer que apesar dos livros lidos, dos sermões ouvidos, das reflexões instigantes há ainda muito que aprender. Um pensamento teologicamente maduro e equilibrado é aquele que se dá conta de que teologia não é ciência exata e nem se encontra pronta nas páginas da Bíblia; fazer teologia é tentativa contínua de responder às demandas da vida com a Bíblia na mão.

Esqueçam essa ideia de que o desencanto com a vida cristã e a deserção de muitos seminaristas e pastores tenham a ver com a presença de uma teologia liberal nos seminários. Quem diz isso geralmente não oferece provas. O que é claramente perceptível é que a crise que se abate sobre seminaristas e pastores muitas vezes é fruto de uma fé imatura que acompanha jovens imaturos para seminário. A isso podemos ainda acrescentar as consequências de uma visão mercadológica cada vez mais difundida nas igrejas, fomentando a ideia de que o sucesso ministerial é aferido pelo tamanho da igreja.

Façam opção de não serem medíocres. Leiam tudo o que é bom, aprendam a pensar e nunca critiquem um autor com base na crítica de outros, sem antes o terem lido atentamente. Lancem-se sobre os clássicos e façam deles seus melhores amigos e piores inimigos e nunca permitam que alguém se ache no direito de se colocar como juiz sobre o tipo de livro que deve ocupar lugar na sua estante. Aliás, nesse sentido vale a recomendação de Kafka:

                                    “... os livros dos quais temos necessidade são os que caem
                                   sobre nós como a desgraça, que nos perturbam profundamente
                                   como a morte de alguém que amamos mais do que a nós
                                  mesmos, como um suicídio. Um livro deve ser como uma
                                  picareta que rompa o mar de gelo que está dentro de nós.”

Não sejam ingênuos, a instituição eclesiástica também possui um submundo. Embora bem guardado por um superego, nos assustamos com as coisas tenebrosas que às vezes escapam: em nome do progresso do Reino se oculta uma sede insaciável pelo poder, em nome da preservação da reta doutrina há a perpetuação de poucos nos altos cargos dos vários setores da instituição e, como se não bastasse, não poucas vezes o que move muitos “profetas” não é a comoção interna produzida pela voz divina, mas o próprio ventre insaciavelmente ganancioso.

Saibam que pastorear é promover a autonomia. Pessoas livres vivem melhor, amam mais a vida e são mais responsáveis. Não façam terrorismo religioso mas procurem mostrar às pessoas a face amorosa de Deus e que a vida é um presente que podemos desfrutar sem medo de ofender seu doador.

Finalmente, o pastorado realmente é um desafio, sobretudo, à integridade pessoal. Por isso é importante que aprendamos a pastorear a nós mesmos, para que a teologia não seja uma contínua defesa e imposição de um ponto de vista, para que os números não sejam a motivação pastoral, para que a engrenagem eclesiástica não esmague nossa humanidade e para que nosso trabalho seja sempre marcado pela honestidade, amor e respeito ao outro. 
 
Luciano Borges

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