quarta-feira, 3 de março de 2010

Frágeis idéias sobre Deus (2 parte)


Considerando que Deus está para além de nossas capacidades e recursos cognitivos, que não encontro imagens de Deus em porta-retratos ou cartazes pelas ruas, que não o vejo no noticiário da TV, enfim que não o enxergo, que não o toco etc. como posso apreendê-lo? Para isso lançamos mão dos recursos que temos ao nosso alcance, nos valemos de nosso histórico de vida, nossos conhecimentos bíblicos, nossas experiências religiosas, afetivas, sociais etc., que possibilitarão abordar aquilo para o qual meus conhecimentos estão sempre aquém. Crianças fazem isso: Quando damos um lápis a uma criança e lhe pedimos que desenho o papai ou a mamãe ela faz um risco aqui outro ali e ao lhe perguntar pelo que desenhou ela responde: o papai e a mamãe. Assim como nós em relação a Deus, ela se vale dos recursos que tem para representar seu objeto.
No trabalho de “representar o além no aquém” (Paul Ricoeur) nos deparamos com a fragilidade de nossas idéias. E falando do livro A Cabana, aqui está o motivo do choque de Mack ao encontrar Deus como três figuras humanas e, conseqüentemente o motivo do choque de muitos ao se deparar com a descrição do livro; é instaurada uma tensão entre aquilo que se imagina e o que se contempla. Penso que essa experiência é como ouvir um radialista e a partir de sua voz fazer uma construção imaginária de seu aspecto físico: a cor dos cabelos, dos olhos, da pele, altura etc.; quando nos depara com a pessoa há um espanto, pelo fato que a imagem outrora criada não corresponde com a contemplada. Não há uma correspondência exata entre nossas idéias de Deus e o próprio Deus, o máximo que conseguimos com nossos recursos é fazer uma metáfora. Isso se dá também quando se fala da sua bondade, do amor, da misericórdia etc; também falamos dessas características a partir de nossa realidade e de nossas experiências.
Há pessoas que tem em mente a idéia de um Deus caprichoso que maltrata quem não cumpre os acordos, um Deus vingativo que se pune daqueles que erram o alvo ou um Deus vaidoso com baixa auto-estima que necessita do nosso elogio. Kierkegaard, filósofo dinamarquês, viveu uma religiosidade dramática, profundamente marcada pela influência de seu pai que, segundo contam os historiadores da filosofia, certo dia amaldiçoou a Deus e pelo resto da vida arrastou esse fardo de culpa e medo de uma vingança iminente. Há algum tempo ouvi de uma mãe cujo filho esteve internado numa UTI, que no momento de desespero fez um voto a Deus de que se a criança sobrevivesse ela voltaria para igreja, e caso não cumprisse seu voto Deus poderia lhe tomar a criança, como castigo.
Essas e outras idéias de Deus são construções a partir de fragmentos de nossas vivencias, e que não poucas vezes estão na base de uma religiosidade mórbida, marcada pelo medo e pela culpa. Não poucas são as pessoas que pensam que pelo fato faltaram ao culto dominical, Deus as castigará, não são poucas as pessoas que atribuem catástrofes e infortúnios ao afastamento de Deus. Enfim, por mais engenhosos e criativos que sejamos, não há uma exata correspondência entre nossas idéias e o próprio Deus. Nossas idéias de Deus não são como uma fonte de água límpida, pura e sem mistura que vem direto dele, mas em Jesus Cristo temos algo maravilhoso, o Pai desconcertantemente amoroso e generosamente acolhedor, não obstante as idéias que dele fazemos.
Luciano L. Borges

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