quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Inquisição ontem e hoje

“O fato histórico, entretanto, é que as práticas inquisitoriais continuaram em operação no Protestantismo. Práticas inquisitoriais são o conjunto de procedimentos institucionais cuja função é identificar e eliminar o pensamento divergente. Quanto a Lutero, é sabida a sua atitude para com os movimentos anabatistas, e o seu conselho que deveriam ser mortos com o mesmo espírito com que se mata um cão raivoso. E quanto a Calvino, as fogueiras continuaram a ser acesas em Genebra, não apenas para queima de Miguel Serveto, como também para queima de dezenas de bruxas. Podemos nos desfazer desta evidência histórica perturbadora, explicando o comportamento dos reformadores como decorrência da atmosfera católico-medieval que ainda respiravam. Assim fazendo, conseguimos salvar a ideologia protestante da liberdade e do livre exame, atribuindo as origens da inquisição protestante a um resíduo de espírito católico. Mas neste caso seria necessário demonstrar que o espírito e as práticas inquisitoriais desapareceram gradualmente do Protestantismo. E parece que isso não é possível. O que se observa é o seu reaparecimento no seio do Protestantismo sempre que o pensamento divergente ameaça a sua unidade política e ideológica. Na verdade, seria possível interpretar a tendência protestante para as divisões denominacionais e sectárias como uma expressão de práticas inquisitoriais. É evidente que fogueiras não podem mais ser acesas. Entretanto, o fato de os grupos com pensamento divergente serem forçados a deixar uma certa igreja é uma evidência da presença de mecanismos de controle de pensamento extremamente eficazes na igreja de que foram forçados a sair.”

Rubem Alves
Livro: Dogmatismo e tolerância

Um comentário:

Flávio disse...

No fim a inquisição protestante acaba sendo maior que a católica. Está ainda abriu um grande "guarda chuva" para aceitar ordens bem diferentes dentro dela (embora também com sérias restrições). Já no protestantismo isso ocorre o tempo todo e cada divisão, tanto a que ficou como a que expulsou, se vê como a correta.