sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Humanidade (des)umana



Uma reflexão sobre antropologia teológica


“Conta-se de um velho e sábio rabi judeu que se lhe informou que havia pessoas que diziam que o Messias já viera. Ele não respondeu nada, mas foi à janela e, abrindo-a, contemplou o mundo. Após um momento, voltou meneando tristemente a cabeça. Se o Messias tivesse vindo deveras, as coisas haviam de ser diferentes, mas nada mudara.”
Essa pequena história provoca em nós pelo menos duas questões: o que o sábio rabi viu ao contemplar o mundo de sua janela? e, o que ele desejaria ter visto? Em si as duas questões, não nos revelam muita coisa, mas no espaço silencioso entre elas se estabelece uma tensão reveladora, a tensão entre o real e o ideal, entre o experienciado e o desejado, que fez emergir a decepção do sábio rabi. Ao contemplar o mundo de sua janela, percebeu que a humanidade não era aquilo que deveria ser, a humanidade que ele via, era caracterizada pela desumanidade, desumanidade que se evidenciava em seu modo de existir.

O que é o humano afinal?
A teologia Calvinista fala do homem como naturalmente mau, por natureza corrupto, em sua essência depravado, atribuindo ao pecado um lugar ontológico na natureza humana, tornando-o um dos elementos que definem o que é o humano. Essa visão está fundamentada em dois pontos: primeiro, na humanidade como se nos apresenta em nós e fora de nós, sua tendência “natural” para o mal, o egoísmo, a ganância, o orgulho etc., que se mostram tão arraigados no ser humano; segundo, de um desenvolvimento lógico da doutrina do pecado original onde Adão e Eva como representantes da raça humana fizeram a opção que acarretou conseqüências a todos os seus descendentes. No primeiro ponto temos a constatação que coloca diante de nós a questão do mal no homem, no segundo, a explicação que tende a responder a pergunta pela origem desse mal. Com isso, ao perguntar porque o ser humano é como é (egoísta, orgulhoso, destruidor etc.), a resposta é: por que por natureza ele é pecador.
Uma das doutrinas fundamentais da teologia cristã é a doutrina duas naturezas do Redentor, a humana e a divina. Para fundamentar sua humanidade é comum tomar alguns aspectos do homem tais como choro, ira, fome, cansaço etc.(que não são exclusivamente do homem) a fim de, a partir dos mesmos, comprovar a humanidade de Jesus, mas aqui é preciso que perguntemos até que ponto aspectos como, choro, fome cansaço e outros servem de critério para falar de essência humana. O que faz o homem humano é o choro, a fome, o cansaço? Será possível falar de verdadeira humanidade tendo como ponto de partida seres imperfeitos e debilitados?
Proponho aqui que para responder à questão sobre o que é o humano, que nossa primeira atitude deve ser de redirecionamento. Não devemos tomar a humanidade em seu modo de existir, para falar do humano, mas devemos olhar para Jesus, o homem, pois a humanidade em seu modo de existir não nos fala o que é o homem em sua essência, o máximo que pode fazer é apontar o que é a humanidade degenerada. Através do redirecionamento, seguimos o caminho inverso e no lugar de partir da humanidade como a vemos para falarmos de essência da humanidade, e até mesmo da humanidade de Jesus, partirmos da humanidade de Jesus para então apontar o que é a humanidade em sua essência e o que o humano deveria ser. A partir do ser humano como vemos, o máximo que podemos conhecer é o ser humano depois da queda, o que seria inaplicável a Jesus, mas é em Jesus que temos o projeto de Deus para o homem.

O projeto de Deus
Para entendermos o que Deus pretendia que o ser humano fosse, não podemos olhar para a humanidade como se encontra ao nosso redor, mas para Adão antes da queda, contudo, como conhecer esse Adão? Para Paulo, Jesus como imagem de Deus era a humanidade pretendida na criação, de forma que, na busca pela essência da humanidade nossos olhos devem se voltar para Cristo.
A encarnação de Jesus causou uma divisão no seio da própria humanidade, pois antes de sua encarnação havia apenas um modelo de ser humano, o ser humano pós-queda, marcado pelo pecado, descrito numa condição de “morte espiritual”. Mas na encarnação de Jesus uma nova humanidade é introduzida como uma outra opção, Jesus é a expressão da humanidade pretendida por Deus na criação.
Assim, quando Jesus assumiu a natureza humana sem pecado, ele revelou que o pecado não é uma realidade ontológica do ser humano, e que a humanidade sob o pecado é, na verdade, a humanidade corrompida, humanidade desumana.

Luciano L. Borges

Referência Bibliográfica:
MURPHY-O´CONNOR, J. A antropologia pastoral de Paulo: tornar-se humanos juntos. São Paulo: Paulus,1994.

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